8. Apoio à Decisão
1. Introdução
Os Sistemas de Apoio à Decisão Clínica (SADC) são
aplicações desenhadas para auxiliar os médicos na tomada
de decisões de diagnóstico e de terapêutica nos cuidados
a doentes. Esta definição abrangente poderia incluir aplicações
muito pouco específicas como livros electrónicos ou bases de dados
de artigos científicos. Assim, uma definição mais exacta
considera apenas os sistemas que consistem numa base de conhecimento e num mecanismo
de inferência e que utilizando dados clínicos recolhidos geram
recomendações específicas para o cada caso específico.
2. Evolução dos SADC
Dois paradigmas orientaram até aos anos 80 a investigação
dos Sistemas de Apoio à Decisão Clínica:
- A noção de que o conhecimento específico (expertise)
poderia ser obtido de médicos peritos em determinada área por
"knowledge engineers ", especialistas na estruturação
e formalização do conhecimento.
- Uma vez o conhecimento médico integrado num sistema computacional,
este estaria ao dispor do utilizador não-especialista num estilo de
consulta-interacção. Ou seja, o não-especialista teria
o conhecimento específico do médico especialista ao seu dispor
na forma de um "expert system".
Estes dois paradigmas não são adequados à Medicina de
hoje e têm fortes limitações como: a) a inadequada simplificação
e fragmentação do conhecimento em "pedaços" independentes;
b) a falta de atenção às variabilidades intra e inter-observador;
c) a inexistência de evidência empírica para muitas das decisões/acções
que são realizadas na clínica; d) o facto de nem sempre as explicações
dadas pelos médicos sobre de que forma foi tomada uma determinada decisão
reflectirem os argumentos habitualmente aceites para aquela decisão ("the
paradox of expertise"); e) a necessidade de comprovação por
métodos científicos do conhecimento.
Nas duas últimas décadas 2 novos paradigmas emergiram:
- Adequação dos SADC ao tipo de local ou situação
nos quais poderão ser utilizados. Isto é, o ênfase passou
da estruturação formal do conhecimento médico, para a
tentativa de melhorar os cuidados de saúde, tendo como base a comunicação
e a interacção dinâmica com os sistemas (integração).
- A segunda mudança envolve a criação de modelos do conhecimento
médico e, as formas de aplicação dos sistemas em diferentes
situações.
Actualmente, os SADC preferidos são os que fornecem recomendações
específicas para o doente/situação e que conseguem poupar
tempo ao médico.
3. Utilização dos sistemas de apoio à decisão
clínica
Foram produzidas centenas de SADC, no entanto, só alguns foram sujeitos
a uma avaliação clínica, poucos são utilizados em
mais do que um local e ainda menos são utilizados rotineiramente pelos
clínicos.
Como podem os computadores auxiliar a decisão na prática médica?
Os SADC no seu sentido mais lato podem auxiliar o médico de diferentes
formas a seguir agrupadas:
- O suporte para aquisição de dados - fornecem aos clínicos
dados que não podem ser adquiridos de outra forma, p.ex. os sistemas
de imagem médica;
- A redução e visualização dos dados - redução,
transformação e apresentação dos dados necessários
para a imediata tomada de decisão de forma compreensiva (global e acessível),
p.ex. unidades de cuidados intensivos;
- A validação dos dados - processamento e verificação
de erros em grandes quantidades de dados (p.ex. laboratórios de análises
clínicas, sistemas farmacêuticos)
- Melhoria da documentação e apoio administrativo, no armazenamento,
e no transporte dos dados
Assim os SADC podem realizar tarefas de modo a:
- Facilitar o acesso e apresentação a dados úteis para
a decisão
- Disponibilizar alertas e sugestões
- Auxiliar o diagnóstico
- Apoiar no plano de acção - requisições e prescrições
- Alertar para eventos e padrões em novos dados clínicos
Propriedades necessárias para o sucesso dos SADC
- Pouparem tempo - p.ex. facilitando a documentação da prestação
de cuidados e simplificando/normalizando as requisições de serviços
ou terapêuticas
- Serem integradas no funcionamento normal do serviço - p.ex. utilizando
dados recolhidos noutros sistemas, sendo componentes de aparelhos médicos
ou de registos clínicos electrónicos
Dificuldades para a disseminação dos SADC
- Desconhecimento dos médicos da existência e dos benefícios
destes sistemas;
- Problema de aceitação por parte dos profissionais de saúde;
- Pouca disponibilidade de SADC
- maioria dos sistemas não chega a ser aplicado na clínica
diária
- são apenas utilizados num único local não sendo
o seu uso disseminado
- são inadequados para uso generalizado pela sua especificidade
ou preço;
- Necessidade de introdução detalhada de dados clínicos
(falta de integração com outras aplicações de
informática médica)
- Necessidade de infra-estruturas computacionais (redes de computadores)
- Necessidade de recursos humanos treinados para a criação
e manutenção das bases de conhecimento em que assentam os SADC
- Pouca capacidade de partilha de bases de conhecimento e regras entre sistemas
(apesar de tentativas como a ARDEN Syntax ou a GuideLine Interchange Format
- GLIF)
4. Classificações de sistemas de apoio à decisão
clínica
Considerando a definição mais abrangente os SADC podem ser divididos
em:
- Sistemas com mecanismos de inferência limitados ou ausentes p.ex.
cálculos matemáticos assistido por computador; agregação
e apresentação de dados
- Sistemas com capacidade de inferência p.ex. sistemas de classificação
de doenças; sistemas especialistas (assentes em bases de conhecimento).
Os SADC são organizados em várias classificações
com base em diferentes características:
- Tipo de decisão - sistemas para auxílio
de decisões de diagnóstico ou de terapêutica
- Área /domínio médico - p.ex. para
medicina interna ou anestesia
- Obtenção dos dados clínicos - 1.
interacção directa do utilizador com aplicação;
2. analisando resultados de aparelhos onde estão incluídos (como
electrocardiografos, ou laboratórios de análises) e 3. utilizando
os dados de sistemas com os quais estão interligados (registos clínicos
electrónicos, sistemas administrativos, farmacêuticos, etc.)
- Modo de utilização - consulta (o dialogo
com o utilizador gera uma série de recomendações, p.ex.
uma lista de diagnósticos) ou crítica (o utilizador propõe
uma decisão e o SADC verifica e critica essa opção)
- Representação do conhecimento - descrito
na secção "modelos de representação de conhecimento";
p.ex: sistemas baseados em árvores de decisão, (estatística
bayesiana ou produção de regras)
- Geração das recomendações -
do ponto de vista do clínico, os sistemas podem ser divididos em três
categorias tendo por base o facto de serem ou não sistemas onde o apoio
à decisão é solicitado: 1) recomendações
solicitadas pelo utilizador; 2) recomendações disponibilizadas
automaticamente; 3) recomendações realizadas automaticamente
e produzem acções autonomamente (sistemas autónomos)
A tabela seguinte descreve esta classificação
Recomendações solicitadas |
Recomendações automáticas |
Recomendações e acções autónomas |
É o utilizador que decide se aplica
ou não a sugestão do sistema. |
O sistema aplica directamente a sua sugestão. |
O Utilizador:
- toma a iniciativa de consultar o CDSS (tem de pedir explicitamente a sugestão).
- introduz os dados relativos ao caso do paciente, iniciando um "diálogo"
com o sistema e depois espera que este dê a sugestão.
- em certos domínios, pode decidir se, em adição aos
registos, quer ou não uma interpretação do CDSS (exemplo:
no caso dos ECGs).
Duas abordagens possíveis por parte do sistema:
- Sistema de consulta - o utilizador insere a informação sobre
o paciente e o sistema disponibiliza sugestões de diagnóstico
e terapia.
- Sistema de crítica - o utilizador fornece informações
acerca do paciente e da sua proposta de diagnóstico e o sistema informa-o
dos sintomas que não são explicados pelo diagnóstico
proposto.
|
O Sistema:
- fornece sugestões independentemente do pedido ou não do
utilizador (sem que seja necessário que o utilizador as peça).
- funciona como um vigilante, fornecendo informações, conhecimentos
aceites pela generalidade e regras de procedimento.
- as regras baseiam-se na lógica boleana simples e consistem em parágrafos
de texto fixos que surgem em resposta a anormalidades potenciais ou definidas.
- baseia-se em informações acerca do paciente disponíveis
(informações de um sistema laboratorial ou de um CPR, ao qual
o CDSS está ligado), pelo que a sua actuação está
condicionada pelo volume destas.
Pode ser de dois tipos:
- Sistemas de memória automáticos - supervisionam os cuidados
de saúde; ajudam a evitar a redundância de exames e erros de
prescrição (erros de dosagem, contra-indicações…).
Tornam o seguimento de protocolos pré-estabelecidos mais fácil
por parte de equipas médicas.
- Sistemas de alarme - alertam para alterações dos sinais
e estado do paciente (assinalam valores ou modificações anormais.
|
O Sistema:
- é activado automaticamente,
- mede certos parâmetros em intervalos regulares e depois decide se
há ou não necessidade de actuar, isto sem que haja intervenção
do clínico (pode iniciar procedimentos de requisição
de exames adicionais baseadas em protocolos, ajustar parâmetros de
aparelhos diagnósticos ou terapêuticos; assistência cirúrgica,…)
|
Exemplos:
- QMR / INTERNIST
- MYCIN
- DXplain |
Exemplos:
-CARE system
-Arden Syntax
|
Exemplos:
- sistemas que controlam ventiladores;
- monitores de diálise
- pacemakers. |
Adaptado de: Sistemas de apoio à decisão clínica, trabalho
de grupo de Introdução à Medicina 2001-2, turma 7 grupo
2 (Dr. Alberto Freitas). http://intro.med.up.pt/t7_g2/p_t7_g2.html
Modelos de representação de conhecimento
De acordo com as formas de representação do conhecimento médico
e de lidar com a incerteza, podem se agrupar as técnicas de implementação
de apoio à decisão clínica em diferentes categorias. As
categorias principais são as relativas aos modelos quantitativos (estatísticos)
e aos qualitativos (simbólicos ou heurísticos).
Como subcategorias enumeram-se as seguintes:
- Algoritmos clínicos, p.ex. regras para a geração de
alarmes ou avisos na monitorização de um doente;
- Funções analíticas embebidas em bases de dados, p.ex.
regras de interacções entre fármacos numa base de dados
de fármacos;
- Modelos de simulação fisiopatológica, p.ex. modelos
de previsão da farmacocinética de um tratamento em diferentes
doentes
- Sistemas de reconhecimento de padrões, p.ex. classificação
automática de células sanguíneas;
- Sistemas Baysianos, estatísticos ou probabilísticos , p.ex.
algoritmos estatísticos na classificação de ECG;
- Sistemas de decisão analítica, p.ex. cálculo de risco
cirúrgico;
- Sistemas de raciocínio simbólico, baseados em regras, p.ex.
auxílio ao diagnóstico diferencial.
- Redes neuronais sistemas de paralelos e redundantes que tentam simular a
organização do cérebro humano, utilizados em problemas
de classificação complexos
5. Componentes dos SADC
A estrutura completa de um SADC compreende cinco componentes
(figura):
- Interface de utilizador é a parte do programa que irá interagir
com o utilizador;
- Base de conhecimentos: estrutura de dados onde factos e regras estão
armazenadas para serem utilizadas em decisões ou na resolução
de problemas. É uma colecção sistematicamente organizada
de conhecimento médico electronicamente acessível e interpretável
pelo computador;
- Mecanismo de inferência: procedimento que opera sobre uma representação
de conhecimento para concluir proposições novas. É o
motor do SADC e utiliza a base de conhecimentos e os dados do doente para
fazer inferências sobre o caso clínico;
- Módulo de aquisição do conhecimento: parte do sistema
usada para modificar e adicionar o factos e relações/regras
à base. Actualmente a maioria são editores em modo gráfico
em o clínico estruturado e formaliza o "saber" contido na
literatura, construindo regras e relações entre factos para
poder ser interpretados pelo SADC;
- Módulo de explicações: é accionado quando o
utilizador solicita uma explicação sobre um conselho gerado
pelo SADC, ou sobre qualquer facto guardado na BC.
6. Exemplos
DXplain
DXplain - CDSS desenvolvido no Massachusetts General Hospital nos anos 80.
O objectivo principal do DXplain é o de gerar uma lista de hipóteses
de diagnóstico a partir de um conjunto de sintomas clínicos. O
utilizador pode introduzir termos clínicos e recebe um conjunto de diagnósticos
ordenado por verosimilhança. Os utilizadores podem também explorar
as relações entre doenças e sintomas através da
navegação na base de conhecimento.
http://www.lcs.mgh.harvard.edu/dxplain.htm
Problem-Knowledge Coupler
Problem-Knowledge Coupler Corporation is changing the way medicine is practiced
and experienced by creating sophisticated computer software that:
- elicits patient health information,
- links that information to current medical knowledge, and
- presents appropriate patient care strategies
http://www.pkc.com/
PRODIGY
PRODIGY (Prescribing RatiOnally with Decision Support In General Practice studY)
is a major initiative in the United Kingdom to develop and evaluate a computerised
prescribing decision support system for UK General Practice.
http://www.prodigy.nhs.uk/
Capsule
Capsule is a decision support module for assisting busy clinicians in routine
prescribing. Given a patient's complaint, Capsule searches a knowledge base
of drugs and their indications and compiles a short-list which is likely to
be appropriate for the patient.
http://www.infermed.com/ds_capsule.htm
AREZZO
http://www.infermed.com/ds_intro.htm
AREZZO allows the creation of formal, machine-readable models of clinical protocols
and guidelines which can form the basis of clinical decision support systems.
AREZZO provides patient-specific advice, guiding the user through data collection,
clinical actions and decision making.
Using the AREZZO Composer, new applications can be quickly modelled and tested,
and instantly deployed on the Internet.
AREZZO Composer is used to author computer-executable guidelines. Composer
provides integrated facilities for clinical guideline testing. The AREZZO Performer
module allows guidelines to be embedded in existing healthcare systems, linking
seamlessly with local Electronic Medical Records and other applications to provide
patient-specific assistance at the point of care. Guidelines can be validated
in pilot studies before entering routine care. Analysis of outcome data provides
the basis for continuous improvement. AREZZO also provides facilities for fast
user interface prototyping.
MEDEXPERT WWW
It provides information for physicians, students, and other health-care professionals
on over 65 state-of-the-art medical expert and knowledge-based systems.
http://medexpert.imc.akh-wien.ac.at/start.html
7. Exercícios
Exercício 1- Indique e defina 2 componentes estruturais de um sistema
de apoio à decisão.
Exercício 2 - Indique 2 tarefas específicas onde os sistemas
de apoio à decisão autónomos podem ser usados.
Exercício 3 - Veja a secção de exemplos (seguindo os links)
e classifique 3 à sua escolha quanto:
- É um sistema de apoio à decisão ou um editor de aquisição
de conhecimento?
- Tipo de decisão?
- Métodos de obtenção de dados
- Geração das recomendações
8. Referências
- J.H. Van Bemmel, Mark A. Musen - Handbook of Medical Informatics. Capitulo
16 e capítulos 15 e 17
- Computer Decision Support Systems. Thomas H. Payne- Chest 118: 47S-52S.
2000 http://www.chestjournal.org/cgi/reprint/118/2_suppl/53S
- Can computerised decision support systems deliver improved quality in primary
care?. Delaney BC, Fitzmaurice DA, Riaz A, Hobbs FD. BMJ. 13;319(7220):1281.
1999 Nov http://bmj.com/cgi/reprint/319/7220/1281
- Uso do Computador no Apoio ao Diagnóstico Médico. R M.E. Sabbatini.
Revista Informédica, 1(1): 5-11. 1993. http://www.epub.org.br/informed/decisao.htm
- Performance of four computer-based diagnostic systems. N Engl J Med 23;330(25):1792-6.
1994 Jun http://www.ncbi.nlm.nih.gov/htbin-post/Entrez/query?uid=8190157&form=6&db=m&Dopt=b
- Sistemas de apoio à decisão clínica, trabalho de grupo
de Introdução à Medicina 2001-2, turma 7 grupo 2 (Dr.
Alberto Freitas). http://intro.med.up.pt/t7_g2/p_t7_g2.html
- João Fonseca. Aula teórica de SADC. Abril 2005.[PPT]