5. Normas, classificação e codificação

1. Normas

Introdução

Normas - conjuntos de procedimentos e regras onde se especificam processos e formatos com o objectivo de levar a cabo uma tarefa. Quando aplicadas às tecnologias de informação permitem aos vários intervenientes a comunicação de dados. As normas são necessárias para trabalho de interligação, portabilidade e reutilização. Normalização - regulamentação por entidade ou instituição oficialmente autorizada de nomenclaturas, notações, definições, técnicas operatórias, características de aparelhos e produtos industriais, com o fim de obter uniformidade de critérios e padrões que facilitem as relações nos domínios da técnica e da indústria.

Os principais objectivos da normalização são:

Exemplos de normalizações

É comum existirem multiplas normas para o mesmo sistemas de informação dificultando muitas vezes a comunicação. Eis alguns exemplos: temperaturas em ºC e em ºF, medidas em polegadas e em centímetros,em milhas e em quilómetros, pesos em onças e em gramas, electrodomésticos de 110V e de 220V, vídeos em sistemas VHS, S-Vídeo, PAL-SECAM, NTSC e classificação de informação médica em ICD-9-CM, SNOMED, CPT, ICPC, RCC, DSM.

As normas pretendem ser para uso comum ou repetido, visando atingir-se o grau óptimo de ordem num dado contexto. Apresentam-se como conjuntos de procedimentos e regras onde se especificam processos e formatos com o objectivo de levar a cabo uma tarefa. Devem basear-se em resultados consolidados da ciência, tecnologia e experiência, e serem orientadas para a promoção dos melhores benefícios para a comunidade.

Tipos de normas em Informática Médica

Quanto à forma como surgem:

Quanto ao âmbito:

Nota
XML - Extensible Markup Language

O XML é um formato universal para a estruturação de documentos e dados na Web. Por documentos estruturados entendemos coisas como folhas de cálculo, livros de endereços, transacções financeiras, desenhos técnicos, fichas clínicas, etc. As aplicações que produzem este tipo de dados normalmente também os guardam em suporte magnético, utilizando para tal o formato binário ou de texto. O último permite, se necessário, ver os dados sem recorrer à aplicação que os produziram. O XML é um conjunto de regras para desenhar os formatos de texto para esses dados, de forma a produzirem ficheiros fáceis de gerar e de ler, que não são ambíguos, e são independentes da plataforma (computador e sistema operativo).

Este formato tem flexibilidade suficiente para permitir a sua utilização num contexto de sistemas de informação hospitalar como meio de comunicação de dados.

Exemplo ficheiro binário:

MZgÿÚÜ 2¸ëGã2ÀŽtÊvÄ4,J¾x¹¬üªIuõþÅëñ^€ü uçþͱ ‰s2É2í>·3ã

Exemplo ficheiro texto:

António André; Rua Passos Manuel, 321; 11-10-1980; 11-10-1987; 11-10-1987

Exemplo ficheiro texto em formato XML:

<ficha clinica>

<nome completo> António André </nome completo>

<morada> Rua Passos Manuel, 321 </morada>

<data nascimento> 11-10-1980 </data nascimento>

<data de entrada> 11-10-1987 </data de entrada>

<data de saída> 13-10-1987 </data de saída>

</ficha clinica>


Exemplos de normas

Benefícios

Assim como noutras áreas, também na saúde o uso de normas é muito importante, nomeadamente porque:

Problemas

Andrew Tanenbaum no seu livro "Computer Networks", afirmou, "The nice thing about standards is that there are so many of them to choose from", como uma referência ao facto de normas concorrentes tornarem-se uma fonte de confusão, divisão e duplicação de esforço em vez de um melhoramento à usabilidade de produtos.

2. Classificação e codificação

Introdução

O acto de classificar representa o estabelecimento duma ordenação ou "arrumação" (ex.: gripe e pneumonia são doenças pulmonares). Neste acto é descrito ou codificado um objecto utilizando códigos ou termos que designam conceitos numa determinada classificação. Associado a cada classificação está um determinado domínio (ex.: diagnósticos; procedimentos; causas externas; ...), bem como eixos de classificação que representam determinados aspectos (ex.: topografia, etiologia (infecção; neoplasia; lesão traumática), morfologia, alteração da função).

Exemplo de eixos de classificação

É importante distinguir entre os problemas de classificação e de codificação:

A natureza dinâmica da classificação explica a contínua necessidade para a manutenção de sistemas de classificação como por exemplo a ICD ou a SNOMED. Os avanços contínuos da medicina implicam a manutenção contínua dos sistemas de classificação.

Para codificar uma determinada condição de um doente é necessário navegar através de extensos sistemas de classificação de diagnósticos ou procedimentos. No entanto, a linguagem usada nos sistemas de classificação é normalmente diferente da linguagem usada no processo clínico. Para fazer face às dificuldades inerentes à procura do termo adequado face à representação global da condição do doente é importante o uso de aplicações informáticas próprias para a ajuda na codificação.

Tipos de classificação

Nota

Forma alternativa de classificar os sistemas de classificação:

Codificação

A codificação clínica é a tarefa de atribuição de códigos de um sistema de classificação a cada um dos diagnósticos, situações clínicas, sinais ou sintomas, registadas no processo clínico de internamento, bem como às cirurgias ou intervenções clínicas, exames de diagnóstico, e outros, a que o doente tenha sido submetido.

Esta tarefa passa por uma leitura da documentação disponível identificando as informações (circunstâncias, diagnósticos, procedimentos...) que podem ser registadas. A este processo de identificação chama-se abstracção da informação.

O objectivo da codificação é a recolha da informação clínica em bases de dados, sobre as quais se podem aplicar os algoritmos de pesquisa, consulta, comparação, estatística, etc. que dão resposta a questões de incidência, morbilidade, etc. na população a que diz respeito a base de dados.

Os sistemas de codificação e classificação têm já uma longa história em medicina. Alguns dos sistemas da actualidade tiveram origem no início do século XVIII. No entanto só nas últimas décadas é que tiveram um grande desenvolvimento.

International Classification of Diseases (ICD)

A Classificação Internacional de Doenças (CID), desenvolvida e revista de 10 em 10 anos pelas estruturas da Organização Mundial de Saúde desde 1900, e em especial a 9ª Revisão, publicada de 1975, tem sido largamente utilizada em todo o mundo para as estatísticas de mortalidade e morbilidade. Este sistema codifica:

Códigos Conteúdo
001.0 a 999.9 diagnósticos 
V01.0 a V83.8 classificação suplementar 
(classificação de não doenças como transplantados, recém-nascidos, etc.)
E800.0 a E999.1 causas externas de lesões e envenenamento
M8000/0 a M9970/1 morfologia das neoplasias
00.0 a 99.99 procedimentos 
4:00 a 92:00 fármacos (American Hospital Formulary Service)

Os códigos ICD estão agora na sua 10ª revisão (ICD-10). Neste momento muitos países (incluindo Portugal) ainda utilizam a Modificação Clínica da 9ª revisão: a ICD-9-CM. No entanto, o ICD-10 já foi aceite e traduzido pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) em 1997. Vários países (em especial a Austrália e a Nova Zelândia) utilizam já sua Modificação Clínica: ICD-9-AM e ICD-9-CM.
O terceiro volume da ICD-9-CM, que comporta os procedimentos, será substituído pela ICD-10-PCS: Procedure Classification System.

Como a ICD-9-CM serviu também para o desenvolvimento do sistema de classificação em GDHs, um sistema de pagamento prospectivo largamente utilizado nos Estados Unidos, e ainda não foi implantado o agrupador de GDHs a partir da ICD-10-CM, o uso alargado deste último sistema tem sido adiado.

Dificuldades com a codificação

O processo de codificação pode encontrar várias dificuldades, nomeadamente:

Abreviaturas

A Codificação Clínica em Portugal

A codificação clínica instalou-se sistematicamente em mais de 90 hospitais do SNS, em Janeiro de 1989, tendo em vista um Sistema de Pagamento Prospectivo (SPP). Tem vindo a ser realizada por médicos, os quais necessitam de formação e manuais adequados. O Ministério distribui o software para a recolha dos códigos.

Para além duma equipa de médicos codificadores os hospitais contratam médicos auditores que devem garantir que a codificação das mesmas situações é feita segundo as normas e do mesmo modo em todos os hospitais.

Só se codificam os episódios de internamento; ficam de fora os episódios de urgência e os episódios de consulta. Depois da alta, os processos clínicos são enviados ao Gabinete de Codificação. Aí são distribuídos aleatoriamente pelos codificadores. Os códigos resultantes da codificação clínica são recolhidos e cada registo é revisto por um programa de auditoria que detecta não conformidades críticas. Se alguma destas for detectada o processo é devolvido para verificação e correcção. Os médicos auditores fazem ainda uma revisão diária das listagens de todos os registos e pedem para auditoria os processos que levantarem dúvidas. Só assim se pode garantir a qualidade da informação clínica codificada.

A base de dados resultante desta codificação (dita dos GDHs - Grupos de Diagnósticos Homogéneos), para além de servir fins administrativos, é utilizada para investigação.

3. Exercícios

Exercício 1 - Dada a seguinte lista estruturas anatómicas do sistema respiratório, crie um sistema de classificação que os organize quanto à topografia (localização anatómica) e :
Exercício 2 - Dada a seguinte lista estruturas anatómicas do sistema respiratório e cardiovascular, crie um sistema de classificação que os organize quanto à topografia (localização anatómica) e :

Exercício 3

    a) dada a seguinte lista de telefones, crie um sistema de classificação que os organize quanto à localização geográfica do telefone.

        b) crie um sistema de informação de duas tabelas; a primeira armazena o sistema de classificação criado, a segunda os números de telefone

Exercício 4 -

    a) dada a seguinte lista de motivos de admissão no hospital dos seguintes doentes, crie um sistema de classificação que os organize quanto à topografia (localização anatómica)

        b) crie um sistema de informação de duas tabelas; a primeira armazena o sistema de classificação criado, a segunda os dados dos doentes

4. Resoluções

Resolução 1

Resolução 2


Resolução 3

a)

b)

Classificacao_Telefones
Número da Classificação (*) Descrição
351
Portugal
351 22
Porto
00
Estados Unidos América
00 112 California
00 112 321 Hollywood
00 213 Texas
00 213 322 Dallas
351 21 Lisboa

Telefone
Número de telefone (*) Nome do proprietário Número da classificação
351 22 3321233 telefone da Maria 351 22
00 112 321 2332287 morada de Clint Eastwood 00 112 321
00 112 321 7789878 morada de Tom Cruise 00 112 321
00 213 322 1233322 rancho de George Bush 00 213 322
351 21 8803829 telefone do António 351 21
351 22 5573970 telefone da FMUP 351 22
351 22 5573971 fax da FMUP 351 22

Resolução 4

a)

   b)

Classificacao_Diagnósticos
Número da Classificação (*) Descrição
1
Sistema Cardiovascular
1.1 Hipertensão Arterial
1.2 Fibrilação Ventricular
2 Sistema Pulmonar
2.1 Pneumonia
2.2 Asma
3 Sistema Neurológico
3.1 AVC Isquémico
4 Sistema Gastrointestinal
4.1 Abcesso Pancreático
Doentes
Número de admissão (*) Nome do doente Número da classificação
1 Ana Silva 1.1
2 António Manuel 2.1
3 Maria Joaquina 2.2
4 José Joaquim 3.1
5 Teresa Martins 1.2
6 Manuel Correia 4.1

5. Referências


  1. J. Bemmel, J. Van Bemmel, Mark A. Musen - Handbook of Medical Informatics - Capítulo 9 (só introdução)- (Disponível na Biblioteca do SBIM)
  2. Gangemi A, Galanti M, Galeazzi E, Rossi Mori A. Beyond UMLS: computational semantics for medical records. Medinfo 1992;7(Pt 1):703-8.
  3. Fernando Lopes. Apresentação em PowerPoint da aula teórica sobre Normas, Classificação e codificação. 2005
     

6. Anexo - tabelas com exemplos do HSJ

  2004 - Hospital de São João - Diagnósticos principais mais frequentes (códigos e descrições da CID-9-MC)
V30.00 Criança única nascida viva, sem menção de cesariana, no hospital
454.9 Varizes das extremidades inferiores, assintomáticas
366.19 Formas combinadas ou não classificáveis em outra parte de catarata senil
V30.01 Criança única nascida viva, por cesariana, no hospital
550.90 Hérnia inguinal sem menção de obstrução ou gangrena, unilateral, sem especificação de recorrência
434.91 Oclusão de artéria cerebral não especificada, com enfarte cerebral
428.0 Insuficiência cardíaca congestiva, não especificada
414.01 Aterosclerose de artéria coronária nativa
486. Pneumonia devido a organismo não identificado
540.9 Apendicite aguda sem menção de peritonite

Nota:
Para além dos recém-nascidos e de situações de admissão programada (varizes, cataratas e hérnias, internadas no âmbito da recuperação das listas de espera cirúrgicas - programa ACESSO e PECLEC) as situações mais frequentes são as doenças cardiovasculares (enfartes cerebrais, insuficiência cardíaca, arterosclerose das coronárias...)
 

    2004 - Hospital de São João - Procedimentos mais frequentes (códigos e descrições da CID-9-MC)
1.º 90.59 Exame microscópico do sangue, não classificável em outra parte
2.º 99.21 Injecção de antibiótico
3.º 99.29 Injecção ou infusão de substância terapêutica ou profilática não classificável em outra parte
4.º 89.52 Electrocardiograma
    . . .
25.º 73.71 Inserção de prótese intraocular de cristalino sucedendo a extracção de catarata
26.º 13.41 Facoemulsificação e aspiração de catarata
27.º 38.59 Laqueação e stripping de veias varicosas dos membros inferiores
    ...
48.º 74.1 Cesariana cervical baixa
    ...
51.º 47.09 Apendicectomia não classificável em outra parte

Nota:
Os procedimentos mais codificados são as análises (hemogramas, por exemplo), os tratamentos (injecções), os exames (como o electrocardiograma), as radiografias, etc. As primeiras cirurgias codificadas correspondem, mais uma vez, à recuperação das listas de espera (cataratas e varizes, por exemplo). Depois destas aparece a cesariana (relacionada com o 4.º diagnóstico principal mais frequente).
A contabilidade e a estatística dos actos não é feita a partir desta base de dados. A codificação dos mesmos só tem significado qualitativo: fez ou não fez (um Rx, uma ecografias, um TAC, etc.).
 

  2004 - Hospital de São João - Causas externas mais frequentes (códigos e descrições da CID-9-MC)
E878.9 Reacção anormal a operações ou actos médicos especificados não classificáveis em outro lado
E888.9 Queda não especificada
E879.8 Reacção anormal a procedimentos especificados não classificáveis em outro lado
E878.1 Reacção anormal a cirurgia com implantação e dispositivo artificial interno
E928.9 Acidente não especificado
E878.2 Reacção anormal a cirurgia com anastomose, bypass, enxerto ou implante natural
E888.8 Queda não classificável em outra parte
E849.0 Acidente que ocorreu em casa
E933.1 Reacções adversas a drogas anti-neoplásicas ou imuno-supressoras
E819.9 Acidente de trânsito com veículo a motor não especificado, lesando pessoa não especificada

Nota:
Veja-se como o número das "reacções anormais" a procedimentos ultrapassa o dos acidentes. De notar, também, como falta informação precisa a codificar (queda não especificada, acidente não especificado, veículo a motor não especificado, pessoa não especificada). Acontece que o médico não está sensibilizado para recolher esta informação e os funcionários administrativos também não a recolhem.